Tesouros da Juventude VIII

O LIVRO DE THEL
William Blake (1757-1827)


Mote de Thel
Sabe a Águia o que há na toca?
Ou à Toupeira perguntarás de que se trata?
Cabe a Sabedoria numa vara de prata?
Ou o Amor numa taça de ouro?

I

As filhas de Serafim conduziam suas ovelhas radiantes, Todas, salvo a mais jovem: lívida, buscou ela um ermo, Para definhar como beleza matutina em seu dia mortal:
Pelo rio de Adona, ouve-se o sussurro de sua voz, E assim seu suave lamento cai como orvalho da manha:
“Oh vida de primavera! por que definha o lótus, Por que definham as crianças da primavera, nascidas apenas sorrir & perecer?
Ah! Thel é como pálido arco-íris, e como nuvem que parte;
Como reflexo num vidro; como sombras na água;
Como sonhos de crianças, como um sorriso no rosto de uma criança;
Como o arrulho de um pombo; como o efêmero; como música no ar.
Ah! serena possa eu me deitar, e serena pousar minha cabeça,
E serena dormir o sono da morte, e serena ouvir a voz Dele, que caminha pelo jardim ao anoitecer”.
O Lírio do vale, respirando na relva humilde, Respondeu à graciosa donzela, dizendo: “Sou uma planta aquática, Sou pequenina e adoro viver em vales baixos;
Tão frágil, a borboleta dourada mal consegue pousar em minha cabeça.
Todavia, visita-me o céu, e aquele que a tudo sorri
Caminha pelo vale e toda manhã sobre mim estende a mão,
Dizendo: ‘Alegra-te, tu, relva humilde, tu, flor de lírio recém-nascida,
Tu, meiga donzela de vales silentes e riachos modestos;
Pois de luz serás vestida, e nutrida com o maná da manhã,
Até que o calor do verão te dissolva junto às fontes e às nascentes
E floresças em vales eternos’. Por que então deve Thel Lamentar?
Por que deve a ama dos vales de Har emitir um suspiro?”
Ela acalmou-se & sorriu entre lágrimas, sentando-se então em seu trono de prata.
Thel respondeu: “Oh virgenzinha do pacífico vale”,
Tu, que provês aos que suplicar não podem, aos emudecidos, aos fatigados;
Teu hálito nutre o inocente cordeiro, ele fareja tuas vestes lácteas,
Pasce tuas flores enquanto para ele sorris,
Removendo-lhe da boca meiga e mansa todas as máculas contagiosas.
Teu vinho purifica o mel dourado; teu perfume,
Que esparges sobre cada laminazinha de relva que brota,
Reanima a vaca ordenhada, & amansa o corcel inflamado.
Mas Thel é como tênue nuvem abrasada ao sol nascente:
Esvaneço de meu trono perolado, e quem encontrará meu lugar?”
‘Rainha dos vales’, respondeu o Lírio, “pergunta à frágil nuvem
E ela te dirá por que reluz no céu da manhã,
E por que difunde sua luminosa beleza no ar úmido.
Baixa, Oh pequena Nuvem, & paira ante os olhos de Thel”
A Nuvem baixou e o Lírio, depois de inclinar a cabeça modesta,
Foi ocupar-se de seu numeroso rebanho no relvado viçoso.

II

“Oh pequena Nuvem”, disse a virgem, “peço-te que me digas
Por que não te queixas quando, num instante, desapareces;
Então te procuramos, mas não encontramos. Ah! Thel se parece contigo:
Dissipo-me: contudo, queixo-me, e ninguém ouve minha voz.”
Em seguida, a Nuvem mostrou a cabeça dourada & uma forma luminosa surgiu,
Pairando e reluzindo no ar, ante o rosto de Thel.
“Oh virgem, não sabes que nossos corcéis bebem das nascentes douradas,
Onde Luvah revigora seus cavalos? Consideras minha juventude
E temes, porque esvaneço para jamais ser vista,
Que nada fique? Oh donzela, digo-te, quando me dissipo
É para engrandecer a vida, o amor, a paz e os êxtases sagrados:
Baixando invisível, sustenho minhas alas leves sobre flores aromáticas,
E cortejo o orvalho de olhos claros para que me conduza a sua tenda cintilante:
A virgem plangente ajoelha-se, trêmula, ante o sol nascente,
Até que nos elevamos ligados por uma faixa dourada e nunca nos apartamos,
Mas caminhamos unidos, alimentando nossas flores delicadas”
“Verdade, Oh pequena Nuvem? Temo não ser como és,
Pois caminho pelos vales de Har, e sinto o aroma das flores mais doces,
Mas não alimento as florzinhas; ouço o gorjeio dos pássaros,
Mas não alimento os pássaros que gorjeiam; eles voam em busca de seu alimento:
Mas Thel já não se deleita com isso, porque definho;
E todos hão de dizer: ‘Para nada viveu essa mulher fulgurante,
Ou viveu apenas para servir, na morte, de alimento aos vermes?”
A Nuvem recostou-se em seu trono aéreo e assim respondeu:
“Se serves, então, de alimento aos vermes, Oh virgem dos céus,
Quão útil, quão afortunada és! Tudo o que vive
Não vive sozinho nem para si mesmo. Não temas, pois pedirei
Ao frágil verme que deixe o leito inferior, para que ouças a voz dele.
Vem, verme do vale silente, à presença de tua tristonha rainha”.
O indefeso verme apareceu, sentou-se na folha do Lírio,
E a luminosa Nuvem partiu, para juntar-se ao companheiro no vale.

III

Atônita, Thel viu então o verme em seu leito orvalhado.
“És um Verme? Imagem da fragilidade, não és mais que um verme?”.
Vejo-te como uma criança envolta na folha do Lírio.
Ah! não chores, pequena voz, podes não falar, mas chorar podes.
É isso um Verme? Vejo-te indefeso & nu, chorando,
E ninguém para acudir, ninguém para confortá-lo com sorriso de mãe.”
Ouvindo a voz do Verme, a Argila ergueu a cabeça compassiva:
Inclinou-se sobre a criança plangente, e sua vida exalou.
Branda ternura: em seguida, em Thel fixou os olhos humildes.
“Oh beleza dos vales de Har! não vivemos para nós mesmos.
Julgas-me a mais vil das criaturas, e de fato o sou.
Meu peito em si é frio, e em si é negro;
Mas aquele que ama o humilde deita sobre minha cabeça seu óleo,
E me beija, e em torno de meu peito ata seus laços nupciais,
E diz: ‘A ti, mãe de meus filhos, amei,
E a ti ofereci uma coroa que ninguém há de usurpar’.
Mas como isso sucede, doce donzela, não sei, e saber não posso.
Pondero, e ponderar não posso; todavia, vivo e amo.
A filha da beleza enxugou com seu véu branco as lágrimas misericordiosas,
E disse: “Ai de mim! Disso eu não sabia, e então chorei”.
Que Deus amava um Verme eu sabia, e punia o perverso pé.
Que de propósito ferisse seu corpo indefeso; mas que o nutria.
Com leite e óleo eu nunca soube, e então chorei;
E lamentei no doce ar, porque definho,
E deito-me em teu leito frio, e abandono meu destino fulgurante”
“Rainha dos vales’, respondeu a Argila matrona”,ouvi teus suspiros,
E todos os teus queixumes sobre meu teto se agitaram, mas fi-los descer.
Queres, Oh Rainha, adentrar minha casa? A ti é dado entrar
E voltar: nada temas, entra com teus pés de virgem.”

IV

O terrível guardião dos portões eternos ergueu a trava do norte:
Thel entrou & viu os segredos do reino desconhecido
Viu os leitos dos mortos, & onde as raízes fibrosas
De cada coração na terra cravam fundo suas irrequietas torceduras:
Um reino de tristezas & de lágrimas onde jamais se sorriu.
Ela percorreu o reino das nuvens na escuridão dos vales, ouvindo
Tormentos & lamentos; esperando, muitas vezes, junto a uma sepultura orvalhada,
Ficou em silêncio, ouvindo as vozes da terra,
Até que a sua sepultura chegou, & ali sentou-se,
E ouviu esta voz de pesar soprada de dentro da cova vazia
“Porque não podemos Ouvidos à própria destruição cerrar-se?”.
Ou os Olhos brilhantes ao veneno de um sorriso?
Por que estão as Pálpebras providas de setas prontas para o disparo,
Quando há um milhar de guerreiros de tocaia?
Ou Olhos de dons & graças chovendo frutos & moedas de ouro?
Por que a Língua impregnada do mel trazido dos ventos?
Por que os Ouvidos, ferozes sorvedouros para sugar citações?
Por que as Narinas amplas inalando terror, trêmulas, & atemorizadas?
Por que um brando freio no vigoroso jovem ardente?
Por que uma pequena cortina de carne no leito de nosso desejo?”
Sobressaltada, a Virgem ergueu-se de seu assento, & com um grito estridente.
Fugiu dali livremente, até entrar nos vales de Har.

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The Doors - Morrisson Hotel


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